Contratada para fazer matéria sobre futebol, jornalista tentava começá-la. Cansada, insônia, visita em casa e filha exigente.
Quem sabe faço crônica sobre o jogo do Tamoios aqui da cidade? Pouco conhecido, mas show a parte. Goleiro muito ruim e novo craque atacante apareceu, pensou.
— Mãe — interrompeu a filha
Nossa, preciso fazer essa crônica logo, tenho que entregar amanhã.
— Manheeeeeee.
— Que houve, filha? — disse jornalista
— Mãe, mãe, mãe.
— Fala, minha filha.
— Quero brincar de informática — disse a menina puxando o braço da mãe
Como vou explicar que preciso entregar essa crônica para ser publicada amanhã para uma criança de três anos?
— Agora não dá, estou usando o computador minha filha — disse a mãe
Sozinha em casa com a criança. Marido tinha saído com visitas, e jornalista precisava fazer o texto.
— Mãe — a criança novamente falou, puxando o braço de sua mãe
— Filha, mãe precisa trabalhar, tenho que escrever, entende? Vai ali brincar com a pista da Polly — disse carinhosa
A menina saiu com beiço grande e bochechas rosadas. Cabisbaixa, foi procurar brinquedo.
— Por onde começo? Tem atacante novo do Tamoios, um tal de Zezinho Borba que ninguém ouviu falar, mas fez dribles maravilhosos e um super gol. E o goleiro do Tupandi ficou sem defesa, acho que é por aí. A crônica tem que ser em cima disso. Depois vou ter que achar o tal Zezinho Borba, ver se consigo uma entrevista — a jornalista falava alto como se em reunião estivesse. Uma conversa do eu consigo mesma. Verdadeira sessão de psicanálise.
— Bem vamos começar...
— Mãe — voltou a menina
— Que houve agora minha filha? — perguntou irritada.
— Mãe, mãe, mãe — insistia a filha
— Minha filha vamos fazer assim, quando a mamãe está trabalhando, você brinca. Quando a mamãe acabar, brinca com você. Tá bom? — disse com calma
— Mãe — a menina disse sorrindo — Quero cocô.
A jornalista pegou sua filha no colo e saiu em disparo como se estivesse em competição nos 100m rasos. Nada de africanos, no pódium só dava: mamãe!
Chegou no banheiro. Assistiu a criança e retornou ao computador.
Concentrando, preciso fazer esse texto. É fácil. É fácil. Respirando, com calma. Consigo.
— Mãe — disse novamente a criança, já ao lado da jornalista
— De novo?
— Mãe, mãe, mãe.
— Preciso trabalhar, daqui há pouco papai chega e brinca com você, tá bom?
Menina começou a chorar.
— Quero você, mamãe!
Jornalista tocou na cabeça da filha e disse:
— Já brinco com você.
No jornal da manhã seguinte:
Jogo: Tamoios x Tupandi
Camisa 10 do Tamoios matou no peito, ajeitou na ponta da chuteira e sacudiu a rede.
Goleiro do Tupandi disse:
— Nossa mãe!