Sempre tive vontade de fazer uma tatuagem, mas adiei por anos. A ideia daquela agulha furando minha pele, não me era boa. Quando finalmente me animei, já na sala de espera, falei à minha amiga escudeira que estava com muito medo da dor. Um garotão que aguardava para colocar um piercing me disse:
- Você é mulher, vai aguentar a dor.
Sábio garoto, concordo totalmente. Nós mulheres temos uma estranha mania de aguentar as dores do mundo. Como a representação de Maria, em Magnificat? Talvez.
Quando eu estava na sala de parto, a anestesista me perguntava a todo instante qual porcentagem de dor sentia, para verificar o efeito da peridural. Esquisito tudo aquilo. Quase questionei se podia ser uma periódica: 33,33%? Mas passei, apartir dali a quantificar as dores. E não são poucas que nós mulheres sentimos.
Dor menstrual; da primeira, menarca; da ausência, menopausa. A dor da falta de um único telefonema de quem gostamos. Será que o cara leva um choque nos dedos toda vez que digita o meu número: 32...? Pensei na adolescência, e essa dor foi para mim, na época, de quase 100%. A dor da injustiça, quando o colega (sexo masculino), que trabalhava só meio turno, ganhava o dobro do meu salário que trabalhava full time, e tinhamos currículo e tempo de serviço semelhante. A dor de um fim de relacionamento, da troca, da incompreensão.
Talvez por essas coisas da natureza, nós mulheres temos a inteligência intuitiva bem desenvolvida, que nos permite sentir mais dores, mas também percebermos detalhes com nitidez.
É certo que somos de fases, e isso às vezes é incompreensível até para nós mesmas. Em um único mês somos várias, e a dor em nós muda de intensidade. Tem semana que me sinto a Escrava Isaura; em outra sou a Mulher Maravilha; dias em que parece que ouço e vejo melhor, a própria Biônica; e em outros uma verdadeira Barbie pateta que não sabe nem somar um mais um, hã? Coisa da dança de hormônios, quem sabe?
Mas para não parecer que este texto é um mero manifesto feminista, ou coisa que o valha, vou citar a contribuição de alguns homens em minha vida, por exemplo, o meu escritor preferido Oscar Wilde, que em plena Irlanda do século 19 me sai com essa frase: "Permitam às mulheres as mesmas condições e elas conquistarão o mundo"; ou de outro Oscar, meu pai, agora o velho Rodrigues, que me ensinou a vencer tudo com um simples sorriso. Reverter dores, mágoas. Mais ou menos como o ser transcendente do simbolista Cruz e Souza, o "ficar tranquilo num sorriso justo, enquanto tudo em derredor oscila".
Uma coisa é certa, essa capacidade que nos foi dada de sermos intuitivas, nos deve vir a favor. Temos essa impressionante capacidade de reverter as dores, e transformá-las em prazer e humor, mesmo que não saibamos disso.
Aconselho amigas, a nunca chorarem mais que cinco minutos por seja lá o que fôr. No dia seguinte, incríveis bolsinhas de água vão se alojar embaixo de seus olhos. Quando chegarem ao emprego, na aula, na casa de um amigo vão ter que dar algumas desculpas do tipo: "estou me gripando", ou, "a insônia foi terrível essa noite". Eu faço assim, se começo a chorar, já cronométro: 4.59; 5.00, acabou! Olho para o espelho e tento sorrir. Até bom que o lábio fique todo torto, vai ser engraçado, aí vocês vão rir mesmo. Uma vez sorrindo, é incrível, mas começam a mudar as coisas. Rir de nós mesmos, ou da situação, transforma tudo em humor. E o bom humor vence tudo!
Podemos transformar até a pior dor, em momentos bons de lembrança, por exemplo. Ou quando acabamos o relacionamento com aquele cara, podemos pensar que mandamos o tal palhaço de volta para seu circo, e que vá procurar sua turma em outro picadeiro, e isso será humor.
Mesmo que estivermos por dentro como gelos despedaçados, um simples riso para nós mesmas é possível. Somos mulheres, temos essa capacidade, e a principal de todas, de percebermos coisas nos detalhes, como a simples intenção de uma alegria furtiva, que pode por fim resgatar a maior de todas: nossa dignidade.
Dedico às mulheres do mundo.