sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Notícias do tempo

Fotografia de Jorge Pimenta

Resultado de minha parceria com o poeta Jorge Pimenta

Colocou a mão sobre o pedaço de jornal rasgado pelo homem. Sentiu-se arranhada pela tinta negra que se afogava nas digitais. Arabescos gravados em fibras de algodão com aroma de doce caseiro. A retina colheu grifos desordenados no que restara do papel areia. Nele, uma breve notícia sobre o tempo. Nos escritos da mulher, os tempos de outrora.

são assim as viagens do corpo
em cada dia de amores tristes:
envelhecem retinas
nos polaroids sem negativo,
algures nos pedaços sépia das notícias dos homens
dos jornais de vida
dos olhares pretéritos.

Fragmentos colados nos pulsos cantam como pássaro livre, mas ali, secos e inertes, no que se transformaram: pontos de tinta em papel.

sabem que um dia foram frutos da verdade
das suas meias mentiras
e dos segmentos de respiração
que aceleram o peito
e agitam alvoroços
no encontro das palavras com os dedos.

Notícias breves a saltar somente em sonhos.

um só homem,
uma só mulher,
e tantos tecidos por remendar
em linha cor de precipícios
comprimento de vendaval
num único compasso de tempo
[não o que rasga nomes com a tinta dos dedos
mas o verdadeiro,
aquele que se confunde com a respiração]
o tempo que inventa o mecanismo perfeito do
silêncio:
desce pelas paredes
rebola pelo chão
penetra os objetos
engole conversas
engravida o ar
para, no olhar seguinte,
o coração ser apenas promessa:
talvez uma hora depois…
talvez depois do calendário…
talvez nunca mais…

Tempo instável com muita nebulosidade, previsão de chuvas para as próximas horas, temperatura máxima em torno de 15 graus, com mínimas de 8 graus à noite.

Colocou a mão sobre o pedaço de jornal rasgado pelo homem. Nele, uma breve notícia sobre o tempo. Nos escritos da mulher, os tempos de outrora.


Jorge Pimenta & Ana Cecília Romeu

Marisa Monte & Paulinho da Viola, Dança da Solidão

domingo, 1 de janeiro de 2012

Revolução das Flores

Fotos Ana Cecília Romeu
   Novo ano começa com uma crônica*, desejando que a Revolução das Flores seja um caminho possível na vida de todos nós.


   “Bem me quer, mal me quer, muito pouco ou nada”.
   Assim acontece na nossa vida. Pessoas que nos amam; outras nem tanto, e algumas que nem querem ver nossa sombra. Temos muito, às vezes nada. Somos incluídos ou deletados num clic, seguidos, perseguidos, admirados ou odiados. Ainda com variantes, algumas pessoas são amigas de nossos amigos, mas nos querem longe.
   O ser humano é todo estranho mesmo, pode ser um fiel confidente de alguém; mas inimigo e perseguidor de outro, alguns casos, mas acontece.
   Retiramos pétala por pétala na esperança que o final aponte para o “bem me quer”, mas às vezes, “mal me quer, muito pouco ou nada”.
   O princípio de Ação e Reação, ou Terceira Lei de Newton, que diz que a cada força exercida por um corpo sobre outro, haverá uma reação na mesma direção, porém em sentido contrário, explica, e muito, as relações humanas, não só no caso de darmos um soco numa parede e sentirmos enorme dor como resposta.
   O mais comum entre os seres humanos é percebermos exatamente isso, um troca-troca de ação e reação. A cada violência sofrida, insulto, desprezo, reagimos da mesma forma. Quem vence? Ninguém, sempre no empate e na obediência à força de origem.
   Oferecer uma flor, no sentido amplo que isso possa ter, é uma reação também: pacífica; nunca passiva, pois reação. Por ser atitude superior, poderá criar uma nova relação de forças em par. E é uma das decisões mais difíceis a se propor, também a mais nobre e revolucionária.




   Oferecer uma flor, pode ser o silêncio a quem não merece palavra alguma. É a ausência da violência física ou psicológica, o procurar um diálogo, a reconciliação, ou simplesmente esquecer, apagar dados de nossa memória, que em alguns casos, será atitude sábia, pois assim a natureza fez: murchar uma flor para logo abrir-se em outra.
   O que mais se deseja nessa vida? A felicidade? Ela pode ser uma para cada um. Versões diferentes de um mesmo estado de espírito.
    Para mim, a felicidade é um morro com rochas que parecem pequenos cristais de açúcar incrustados, banhado por um dia de sol forte e céu nítido com algumas nuvens espreitando aqui e ali. No sopé, uma confraternização de flores do campo o emoldurando junto ao verde e o canto dos pássaros em verdadeira comunhão, acompanhada do brinde de um vento leve. Sim, a felicidade pode ser apenas isso: uma divina revolução das flores.


Morro de Pán de Azúcar, na cidade de Pán de Azúcar, Uruguai.

*Crônica publicada nos jornais: NH (Novo Hamburgo); 
VS (São Leopoldo); Correio Rural (Viamão); Diário de Cachoeirinha; 
Diário de Viamão; Correio de Gravataí.


O Cantor
   Para começar o ano, uma pequena homenagem ao cantor que creio, seja a melhor voz da atualidade, e de muitas décadas, David Bowie. Aqui na música God Only Knows, onde ele prova um pouco disso (a versão original é do grupo The Beach Boys).
   Ótimo início de ano para todos nós!