sábado, 21 de abril de 2012

Tribo nossa de cada idade



Fotografia de Ana Cecília Romeu

   Mata fechada, tempo quente e úmido, bichos peçonhentos, insetos, e você sentado em uma rocha. Como nativo isolado, ouve cascata ao longe, o grito dos macacos e nada mais. Olha para o céu, e árvores centenárias encobrem sua visão; para os lados, e mais ninguém.
   É assim que o adolescente se imagina, um índio sozinho. Como se a natureza conspirasse contra, impedindo uma atenção privada, uma companhia. Fossemos o último ser humano a alguém dar valor, ou perceber. Queremos compreensão, alguém que nos escute e nos diga coisas interessantes que nos deixem calados. E a única solução para esse dilema solidão-atenção, parece ser participar de uma tribo.
   Fui adolescente nos anos 80, tempo de muitas cores e new wave. Tudo era rosa choque e verde limão, ombreiras, Madonna e cubo mágico. Consegui algumas coisas na vida, mas jamais concluir esse maldito jogo do cubo, grande frustração. Aí apareceram as tribos dos darks, que se vestiam de preto e cultuavam a pós-modernidade. Não foram poucas vezes em que me vesti toda de preto, com correntes prateadas no pescoço e grande crucifixo.
   Hoje, quando me deparo com o aparecimento de novas tribos, me sinto de volta ouvindo The Smiths, lendo Keats e Yeats, e esperando semana toda pela balada no Ovo de Colombo*, e que o cara do blusão com a letra "A" me olhasse. Alberto, Alexandre? Nunca soube o nome dele.
   O tempo segue seu rumo, mas as tribos não acabam em nossa vida. Se você pensar um pouquinho, vai perceber que pertence a alguma, mesmo que não seja mais adolescente. Pensei por alguns segundos, e me declarei oficialmente como índia da tribo: "corredores atrás da máquina".
   Entenda-se por "máquina", tudo que nos motiva, impulsiona, realiza. Corro atrás da felicidade; dos projetos pessoais e os da família; do trabalho; de uma vida melhor para minha filha, o que me leva a correr atrás de coisas materiais, e até mesmo do relógio. Preparo meus músculos para aguentar essa maratona, pois pela lógica, quanto mais tentar, mais chances tenho de conseguir; mesmo que isso implique em cansaço e fadiga.
   Lembro-me com saudades das minhas antigas tribos, como era bom quando a idade não nos cobrava resultados, já era válido apenas participar de alguma coisa, como celebridades do bairro ou da danceteria, na procura apenas por elogios e atenção.
   Índia da tribo de ontem, vestindo preto e correntes prateadas; hoje, correndo atrás da máquina, mas sempre com a certeza de que nunca estive sozinha, até porque em nenhuma parte do mundo ou do tempo, existiu tribo de um índio só.

*Ovo de Colombo – danceteria dos anos 80, famoso ‘point’ de Porto Alegre, localizada no antigo Cinema Colombo. Fechou suas portas no início dos anos 90.

Eu com 16 anos.


Fragmento do poema 'Quando estiveres velha' 
(William Butler Yeats)

"Quando estiveres velha e grisalha, e cabeceares
De sono à beira da lareira, pega este livro, 
e lentamente o lê, e sonha com a aparência suave
Que tinham outrora teus olhos, e suas sombras densas;

Muitos amaram teus momentos de alegre graça,
e tua beleza, com falso ou vero amor,
Mas um homem amou a alma peregrina em ti,
E a mágoas de teu rosto sempre a mudar."

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Manias de cada um

Comidinha de massa de modelar feita pela minha filha Luíse de 5 anos.

   No verão passado entrei com minha filha na piscina infantil do clube, até aí tudo bem, certo? Errado! Eu usava óculos de natação, mas o nível da água nem batia no meu joelho... Ok! Quando ela riu de mim, percebi que poderia colocá-los na testa, mas mesmo assim meus inseparáveis companheiros não me abandonaram. Esquisitice? Melhor chamar de mania, acho mais fofinho.
   Desde os 13 anos que pratico natação sempre usando os tais óculos, minha cabecinha achou bacana associar: água de piscina com óculos de natação... 
   Vocês nunca tiveram vontade de fazer de novo uma coisa do mesmo jeito só porque gostaram do jeito, talvez não fariam a coisa de novo se fosse de outro jeito? Será que deu para entender o espírito do negócio ou o jeito do espírito, ops..., da coisa?
   Tenho muitas manias, alguma pequeninhas e indolores; outras... Mas as mais corriqueiras as chamo de Mania 1, Mania 2 e Mania 3. Minhas três manias de estimação.

Mania 1
   Nunca sento de costas para a porta principal de um restaurante. Interessante, porque a tal porta tem que estar na minha visão, só depois que penso na refeição.

Mania 2
   Comida para mim tem que estar morna quase fria, ou fria. Sim, mesmo no inverno rigoroso aqui do sul do Brasil, comida quente não tem vez.

Mania 3
   Preciso dirigir ouvindo CD. Associo ligar o carro com ligar o som, sempre num volume moderado, mas lá está o Elvis e a turma de carona comigo.

Desafio HumorEmConto - Manias
   Colocar em comentário até 3 manias que cada um tenha e queira partilhar com todos para darmos boas risadas juntos. Peço que só comentem quem aceitar que seja publicado seu comentário em post futuro. Nesse post que publicarei terei que editar de forma que apareça apenas as citações das manias de cada um, para que não se torne muito extenso.

   Quem quiser conhecer ou rever os outros posts dessa série participativa, aqui estão os links com os comentários de todos:


O Mico de cada um
http://anaceciliaromeu.blogspot.com.br/2011/11/desafio-do-mico.html

Paixão pelo time de futebol
http://anaceciliaromeu.blogspot.com.br/2011/11/pesquisa-humoremconto-time-de-futebol.html

Paixão pela música
http://anaceciliaromeu.blogspot.com.br/2011/11/pesquisa-humoremconto-musica.html

Mensagem de todos para todos 
http://anaceciliaromeu.blogspot.com.br/2011/12/mensagem-de-todos-para-todos.html


quinta-feira, 5 de abril de 2012

Dentro do ovo há vida

Exposição de ovos gigantes pintados por artistas plásticos - Gramado/RS -
Fotos de Ana Cecília Romeu

   Pessoal, uma crônica* de Páscoa, logo voltarei às Histórias do Condomínio e outras novidades.

   Lembro-me de criança que quando recebia os ovos de chocolate no domingo de Páscoa, logo tentava imaginar o que havia dentro. A grande diversão era procurar quais ovinhos do ninho tinham em seu recheio alguma surpresa. Mesmo para quem tem paladar especial para doces, adivinhar, dividir o ovo em duas partes e finalmente fazer a descoberta era muito mais empolgante, até mesmo do que comer o chocolate.
   A Páscoa, assim como essa guloseima que a gente abre para ver o recheio, é o próprio ato de renascer. Como o ovo dos ninhos pascoalinos, é momento de renovação, renascimento, a transformação daquele pedaço de chocolate numa grande descoberta: o modificar da vida.
   Trata-se de momento para revermos coisas, repensarmos o que poderia ser melhor no que somos verdadeiramente sujeitos: as ações de nossa própria existência - o renascimento de sentimentos genuínos, de projetos guardados, cenários passados e mesmo daquela amizade há tanto esquecida.
   Dentro do ovo há vida. Não apenas do ovo invólucro que protege até o nascimento do novo ser, transformação natural da célula em sujeito de novas ações ao mundo; mas também do ovo que simboliza o renascer, da novidade que se descortina, a renovação, a mudança. Quando dividido em dois pedaços, se abre à inusitada possibilidade.
   Em todas as culturas, e mesmo para quem não se crê religioso, a chance de um renascimento, figura de linguagem em sua expressão, é o próprio desenvolver da vida, propósito de evolução, da descendência. O refazer necessário ao crescimento e ao passar adiante. Produzir em si aquele algo a mais, que pode ser projetado a todos que nos cercam.
   Não há quem não se emocione, ou pelo menos não se contagie, quando vê uma criança abrindo um ovo de Páscoa, nos olhos que ficam grandes à procura do inédito, na satisfação ao descobri-lo e ao redescobrir quantas vezes necessárias, metamorfose da criança em explorador; no adulto em alguém mais evoluído. Permitir-se crescer, e depois renascer e renascer: onda propagada de vida no nosso pequeno mundo.

Estrada de Canela/RS.
Aldeia do coelho, no evento Chocofest - em Gramado.

Espetáculo musical na Chocofest - Gramado/RS.

Fotografia de autoria de Luíse Rodrigues da Costa,
 minha filha de 5 anos.



Feliz Páscoa para 
vocês e suas famílias!


Grande abraço.






* Crônica publicada nos jornais:
Gazeta do Sul (Santa Cruz do Sul), 
VS (São Leopoldo), 
Diário Popular (Pelotas), Jornal do Comércio (Porto Alegre), 
Diário de Cachoeirinha, Correio de Gravataí e Correio Rural.

domingo, 1 de abril de 2012

Prato do dia: mentira ao molho madeira

   

   Primeiro de abril foi instituído como dia da mentira aqui no nosso país. Vinte e quatro horas de oportunidade para pregar peças nos amigos, brincar um pouco com o colega, enfim 'mentir' oficialmente. Enquanto humor prosaico: válido como ação furtiva, puro divertimento.
   Seria ideal de fato, se muitas verdades do mundo e da vida da gente fossem apenas mentirinhas. O número de famintos no planeta; a violência contra o ser humano e os animais; as guerras e a bomba que tudo destrói; a infelicidade do pai tendo que sustentar toda a família com o salário mínimo; nossa insatisfação nas eleições quando votamos num candidato em que acreditávamos que faria pelo coletivo e, não, pelos próprios interesses; ou mesmo, quando a pessoa amada acabou o relacionamento dizendo "vou dar um tempo".
   A mentira é um prato servido na hora certa. Aquele bife no ponto com molho madeira que comemos sem pressa e é muito tenro e delicioso. Ao passo que a verdade é um prato cru, nem sempre bem-vindo e, muitas vezes, difícil de mastigar.
   Somos alvos de pequenos e grandes pratos de mentira diariamente, ainda selecionados delicadamente como iguarias de fino preparo. É fácil se deixar enganar. Ouvimos o que queremos ouvir, isso é próprio do ser humano. Bom seria se as pessoas tivessem um tipo de dispositivo que impedisse os enganos: era mentir, levava-se um choque e pronto! A verdade se restabeleceria.
   Difícil de imaginar a vida de imperfeitos mortais dizendo apenas a verdade. Como seria o mundo da Verdadelândia? Esse planeta onde as pessoas nem soubessem o que é mentir, enganar, trapacear, apenas dissessem o correto e fizessem de seus atos algo transparente, sem artimanhas ocultas?
   Enquanto pensamos nesse ideal, existem milhões de pessoas nesse momento sentadas no mesmo restaurante, degustando o delicioso prato da mentira, e passando adiante receita tão fácil de ser feita, cujo modo de preparo é universal.
   O bom seria que a mentira não passasse de brincadeira de primeiro de abril: petiscos divertidos em formato de rostinhos risonhos e só. Mas a mentira está aí, moça popular, fazendo upgrade diário, atualizando seus dados, se escamoteando. 
   Sorte de quem ouve, é apenas a de contar com o milenar dito popular: "a mentira tem perna curta". Se isso de fato for verdade, claro. 


*Crônica publicada nos jornais: 
Jornal do Comércio (Porto Alegre); VS (São Leopoldo); 
Diário Popular (Pelotas); Correio Rural (Viamão); Correio de Gravataí; 
Diário de Cachoeirinha e Diário de Viamão.