quinta-feira, 15 de maio de 2014

Bolero en El Ateneo Grand Splendid

El Ateneo Grand Splendid - não encontrada referência autoral da imagem


Sempre foste meu espelho,
quero dizer que para me ver, tinha que olhar-te. 
(Julio Cortázar in Bolero - tradução livre)


Buenos Aires, janeiro de um ano qualquer.
   A mulher estava no café da livraria, alojado no palco do que antes fora o teatro homônimo, atestando se aquela de fato era a segunda mais bela loja de livros de todo o mundo. Há o aspecto subjetivo, pensou. Sentou-se à mesa no canto segurando uma antologia de Cortázar, edição de luxo, capa dura em dedos macios.

   Sorvia o café meio-forte, folheando-a aleatoriamente ao deixar que o destino e seus sortilégios elegessem um futuro mais claro, como quem se esquece da bola de cristal, mas ainda crê nos reflexos das bolhas de sabão. Com os aromas do café, de seu perfume preferido e da tinta fresca na parede lateral, abriu à página 44:
   “Fui uma letra de tango
   para tua indiferente melodia.” *

   Depois de ler, a mulher apertou com o indicador direito as duas gotas de café que, indisciplinadas, caíram para fora da xícara. Entre suas digitais, sonhos furtivos, impossibilidades e toda a eternidade, disse-lhe o poeta o que não ousou contestar. Estava ali, na El Ateneo Grand Splendid, onde na plateia há livros sentados e amor na próxima página, na de número quarenta e cinco.

*Julio Cortázar in Siempre empezó a llover


Fito Paéz - Un vestido y un amor