sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Desafio Marat


Interferência em imagem retirada da internet.
   
   No cansaço iminente,
sem querer mais me esconder
assim reencontrei a vida,
e foi no espelho,
em duas pedrinhas nos olhos que sorriam.
(fragmento de Pedrinhas de beijo – de minha autoria)

   Marat Safin, ex-tenista russo que fez sua aposentadoria em 2009, ainda hoje é lembrado por seu temperamento explosivo nas quadras que sempre renderam um show à parte com direito a raquetes quebradas e toda sorte de caretas e gritos que compunham verdadeiro espetáculo. Toda vez que Marat era colocado à prova por um adversário forte, ou mesmo quando cometia uma sequência de erros, o descontrole emocional ficava evidente, e não raras vezes perdia o foco das jogadas. Isso não o impediu de ser um dos maiores jogadores de tênis de todos os tempos.
   Em muitos momentos da vida somos testados em nossos limites emocionais, e como nesse esporte, isso pode ser decisivo.
   Fiquei pensando sobre esses desafios e que cada um de nós tem o seu ponto fraco, onde percebemos ali nossa linha fronteiriça entre o querer e o poder, o que passa pelo autoconhecimento e pela vivência, mas como no dito popular “a experiência é um pente que se usa quando se fica careca”, nem sempre a solução vem a tempo e hora, e o desafio de melhorar torna-se ainda mais difícil: o de ser mais vezes o Marat vencedor do que o quebrador de raquetes.
   A verdade é que a dualidade forte/fraco, efeitos/defeitos nos compõe e sermos ela por excelência é sermos nós.
   Viver já nos oferece um contrato de pré-requisitos, uma bula de remédios com posologia especificada em letras miúdas a cumprir, onde o fazer se sobrepõe ao ser. Talvez apenas tentar amenizar nossas fraquezas já seja o suficiente.
   Pensando na frase de Millôr Fernandes: “todo homem nasce original e morre plágio”, como achar o ponto de equilíbrio entre o superar fraquezas e o não perder a identidade?
   Creio que devamos analisar até onde elas podem prejudicar outras pessoas, porque tentar a perfeição talvez seja beber do impossível em doses homeopáticas.
   Marat Safin não seria ele mesmo se não tivesse quebrado tantas e tantas raquetes. Vamos nos permitir quebrá-las de vez em quando, descer do salto, nos molhar na chuva, contanto que seja nossa própria chuva. Se isso não prejudicar ninguém, será no mínimo porta aberta ao bom humor ou um grito de “estou vivo” o que pode ser suficiente para nos eternizamos de forma autêntica, e não sermos imagem e semelhança de clone perfeito: sem nome, sobrenome e alma.


Crônica publicada nos jornais: NH (Novo Hamburgo), 
Diário Popular - seção Análise (Pelotas),
Gazeta do Sul (Santa Cruz do Sul), 
Diário de Cachoeirinha/Sinos e Correio de Gravataí/Sinos.



sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Alma cabeluda




"Quando a lua estiver na sétima casa, e Júpiter alinhar-se com Marte, então a paz guiará os planetas, e o amor dirigirá as estrelas". 
Fragmento de Aquarius, música tema do filme Hair.

   Hair, filme dirigido por Milos Forman (EUA/1979), consegue materializar como película todos os anseios de uma geração. O roteiro conta a história de um rapaz do interior que passa por Nova Iorque um dia antes de se alistar para a Guerra do Vietnã, e conhece um grupo de hippies com os quais passa a conviver.
   O filme marcou história, mas não parou no tempo. Retrata a busca pela "paz mundial", a grande utopia pregada desde o século passado, mas um acordo de cavalheiros com o presente. Um nirvana de conceitos, onde o respeito ao diferente impera, tendo consciência de que somos seres em constante transformação, absorvendo, construindo; reconstrução e destruição, no acertar e errar, - a iconoclastia cotidiana -; mas buscando nossas histórias nas pegadas em conjunto, na areia marcada por outros pés. O respeito ao planeta, à natureza, ao próximo, até ao vizinho que mora ao lado, que deve lá ter seu motivo de ser tão chato.
   Tudo na vida pode dar certo, mesmo que pareça que está errado, é o desafio constante. Se fosse fácil e bonitinho, era só resolver algumas equações no café da manhã e teríamos um dia perfeito.
   O Hair é mais que isso, propõe o desafio do dia-a-dia, o choque de gerações e até de nós com nós mesmos, num constante divórcio do ir e vir individual: o descobrir suas capacidades e testar seus limites, de outra forma não tem como evoluir.
   A partir disso, se pode pensar na metáfora da alma cabeluda, a que está disposta a novos penteados, um dia quer prendê-los, em outro soltá-los, colocar adereços, lavar, escovar. Por outro lado, almas com alopecia não se permitem opções, concebem tudo em regras pré-determinadas, privilegiam a si próprias; ao coletivo, sem opções de ter o privilégio de soltarem seus cabelos esvoaçantes numa brisa da manhã.
   É meus caros, quem tem alma cabeluda reconhece nos outros todos os cabelos que têm, e propõe uma marcha quase silenciosa em busca de uma magia, um "clic" do destino: a grande utopia, a mística, que possa trazer melhor vida a todos. A verdadeira lei da compensação: se eu fizer o bem, o bem retornará. Lei da física? Pode ser, mas calcada no respeito, apesar do desafio. Ser pacífico, mas sem atitudes estanques. "Viver, e não apenas aguentar". Esse é o Hair.


Aquarius - filme Hair

*Crônica reeditada - primeira crônica publicada no HumorEmConto há dois anos atrás. 
A todos uma feliz sequência de dias!