sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Sétima gaveta e recomeços

Fotografia de Ana Cecília Romeu

(...) não se esqueça que a felicidade é um sentimento simples, 
você pode encontrá-la e deixá-la ir embora por não perceber sua simplicidade.
Mário Quintana in Felicidade Realista


   O ser humano é um eterno insatisfeito. Dessas insatisfações, por vezes, curiosidades, explorações e (re)começos se ‘descobriu’ as Américas, por exemplo; e conheci dona Vera, vizinha querida com quem amplio os territórios da amizade.
   Recordo-me que a professora de francês me disse para nunca deixar a vida muito resolvida. (Ne laissez jamais votre vie très parfaite!). Em uma referência ao pequeno caos como fluxo de longevidade: andar pela contramão, jogar travesseiros por todos os lados. Mas a iconoclastia tem a fase da reconstrução, do recomeço, e isso dá trabalho imenso tal qual remontar quebra-cabeças de milhares de peças: o que mais nos edifica quase sempre não está na nossa linha de conforto.
   Talvez por isso se perceba tantos relacionamentos, de amor ou de amizade, sendo regidos por decreto: instantâneo do mando-obediência-estabilidade, do ‘felizes para sempre’ via corretor ortográfico, ou do ‘até que a tecla delete nos separe’. Já a democracia é trabalhosa, exige diálogo, negociação, diplomacia, é via de mão dupla.
   Há um tempo criei o que chamo de sétima gaveta. Um espaço imaginário onde coloco as tristezas, frustrações, perdas. E que fiquem por lá. Para ser forte e tentar ser feliz, é necessário enxergar o lado bom de tudo, e ele existe. Por vezes, a sétima gaveta abre involuntariamente soltando todos esses monstros: as pendências, as ausências, a pessoa que tirou a vírgula do “não, te amo”.  E não nos resta muito mais do que tentar desmitificar essas criaturas, as tornando mais parecidas com o brincalhão e pouco assustador Fantasma de Canterville, de Oscar Wilde.
   Optar pela luz não é ignorar a existência das sombras, até porque uma não sobrevive sem a outra, mas é tentar recompor-se para recomeçar, avançar; pois a felicidade, mais do que um processo, é uma opção.
   A tristeza é valorizada como forma de auto descobrimento, pré-requisito evolutivo. Não se enfatiza os momentos de felicidade como parte desse crescimento. Existe a ditadura escamoteada do sofrimento. A tristeza como imagem de profundidade, como se o contrário fosse bobo e superficial.
   Que bom seria que nunca nos esquecêssemos dos instantâneos mais felizes e das pessoas que contracenaram conosco: a plenitude pela partilha em forma de circulo aberto. Deveríamos ter uma parte do cérebro que impedisse apagar um olhar, aquele olhar..., a pequena eternidade que possibilita a continuidade da vida e seus recomeços.


La Paloma, Uruguay - Fotografia de Pedro Costa

[Retorno ao blog em 2014. Seguirei escrevendo aos jornais 
e divulgando essas publicações também pelo facebook.]

Um novo ano mais leve, com muita paz e saúde.
Se conseguirmos dois 'sim' para cada 'não', já estaremos no lucro nessa matemática-desafio que é a própria existência. Pois, que assim seja.
Agradeço a todos pela companhia que me fez e faz crescer muito.
Abraço do tamanho dos Pampas!

No litoral do Rio Grande do Sul.