quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Buck Rogers não previu o ciclone

Fotografia de Ana Cecília Romeu

Seriado televisivo famoso transmitido de 1979 a 1981, Buck Rogers foi um personagem criado originalmente para história em quadrinhos por Philip Francis Nowlan em 1928. A história trata do congelamento acidental de um militar astronauta nos anos 80 e o seu despertar no século 25, assumindo a função de patrulheiro. Na ficção, tempo em que espaçonaves, naves de caça e viagens interplanetárias são corriqueiras.
- 19 de setembro de 2012 - tive experiência que nem mesmo Buck Rogers poderia prever, muito menos, vivenciar. Devido ao ciclone extratropical que atingiu o Rio Grande do Sul, com formação a partir do Uruguai, e rajadas próximas à marca de 100 km/h em pontos isolados, boa parte de nós gaúchos de diversas localidades ficamos sem luz, sem internet e com linha telefônica deficitária; celular, quando se conseguia sinal, pegava ma... ma... mal.
Fiquei pensando na diferença entre a ficção idealizada e a realidade quanto a tempo e geografia proposto, quando um escritor-roteirista imagina uma época futura e a traduz numa obra, no caso de Buck Rogers, daqui a quatro séculos. E que, embora tudo pareça evoluído a partir do advento da internet e celular, ainda dependemos da luz como fonte de energia. Essas tecnologias, além dos benefícios, nos tornaram dependentes, visto que pouco ou quase nada podemos fazer em termos comerciais – e mesmo pessoais – sem o uso do que  dispomos na atualidade.
Neste momento, é provável que algum escritor esteja criando roteiro baseado em fatos que acontecerão no próximo século, com espaçonaves que se movimentam através do comando de voz ou de comando mental; pílulas coloridas que extinguirão a fome na Terra; alojamentos de único ambiente em poucos metros quadrados otimizados com tudo que uma família necessite: a mesa que se transforma em cama que se transforma em computador e por aí vai; mas talvez não se inclua na história que um ciclone ainda poderá nos remeter ao passado, a atemporalidade da vida sem luz e internet.
Escrever esta crônica em manuscrito à luz de velas, em pleno século 21, fez-me ter uma certeza: ainda temos muito que evoluir. Parecemos grandes, mas talvez sempre sejamos pequenos frente às forças da natureza.

Crônica publicada também nos jornais:
A Platéia (Sant'Ana do Livramento)
Diário Popular (Pelotas)
NH (Novo Hamburgo)
Diário de Cachoeirinha
Diário de Viamão


Buck Rogers - Trailer

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Nota sequencial para versos de outrora

Fotografia de Jorge Pimenta


O destino que se cumpra,
se o destino for
Eu apenas quero a flor
de uma última penumbra,
onde a sombra,
entendo eu,
é apenas o lugar
onde a luz
pode declarar-se
verdadeiramente.


Wilson Caritta Lopes

Todo vestido de preto, entrou no quarto de hotel. Dirigiu-se até uma bancada sem acender as luzes. Do lado direito das cortinas cor areia, um feixe recatado de luz pedia licença para lhe iluminar a silhueta e protocolar pequeno testemunho. Sobre a bancada, remexeu em pastas procurando dados entre os dedos, como quem colhia frutos de própria estação. Deletou pensamentos, buscou arquivos e o abraço dos amigos. Recordou-se de quando expelia arco-íris pelos poros, do sorriso fácil e que construía degraus de nuvens entre os versos. Que um dia amou e no outro também.

[Em pedra-ferro, cravada à beira do abismo, entre o temporal e o sol laranja, rezava a escritura:

é esta a minha terra,
o lado norte dos versos,
um país, uma palavra
toda a verdade.
terra branca
letra e poema de tantos segredos
dentro e fora de mim,
a semear braços, horizontes de anis
e outras moradas
onde escrevo,
aplaino rimas
e reinvento silêncios

De entre as pastas, selecionou apenas duas. Saúde e justiça são irmãs da mesma verdade e parceiras da mesma dor.

[Lenda, Poemas em Autoplágio ou apenas imaginação. Cravada à pedra-ferro, rezava a escritura:

o poema corre-me com a água
do canto
lava leve lembra
é este o som é este o sentido
porque as estrelas de dedos longos sempre tocam
as portas e os girassóis
que cabem no mundo:

é aqui, no verso,
que sou todos os homens
é aqui, no verso,
que me esqueço do tempo
é aqui, no verso,
que escavo o fogo.

eis-me o verso.

Com semblante seguro, passou pelo umbral carregando as pastas em baixo do braço esquerdo e mais duas gotas de certeza: homens de bem e poesia jamais falecem a causa da senhora realidade.

Foi quando o poeta tocou a primeira nota sequencial para seus versos e ela espirrava como a alma.

Em memória do poeta Wilson Caritta Lopes
(1964 – 2013)


Jorge Pimenta & Ana Cecília Romeu

The Cinematic Orchestra - To build a home