Resultado da minha parceria literária com a amiga Luciana Santa Rita
"Não
meça o trabalho até que o dia tenha acabado... e o trabalho concluído."
(Elizabeth Barrett Browning autora de Sonnets from the Portuguese - 1847)
Elizabeth
Barret conhecia as peças de Shakespeare e outras obras clássicas antes dos 10
anos de idade, mas era apenas uma poetisa emotiva da época vitoriana. Talvez
nunca percebesse que poderíamos ser agentes de nós mesmos, como pilotos de
nosso próprio avião, assumindo o controle, definindo rumos, por meio da
distinção dos desejos, em objetivos ou caprichos.
Drummond
poetizou a mulher de inúmeras formas, mas a diferença não está no gênero, mas
na capacidade dessa mulher de olhar um caminho à direita; e outro à esquerda, e
poder optar independente, pelo que parecer mais atraente no momento até onde a
vista alcança.
A mulher
vanguardista pode ser interpretada como protótipo da gata borralheira,
idealizada como uma mulher desprendida no ato de doar, de ofertar carinho.
A
mulher ao longo do tempo foi discriminada por razões de diferenças biológicas,
sendo-lhes atribuído um papel social restrito à esfera da vida doméstica. Todavia
com as mudanças sociais, a atuação do movimento feminista introduzindo a
perspectiva de gênero, a diferença entre homens e mulheres ganhou nova
dimensão: a cultural. Sendo possível
distinguir o que é um mero desejo, de um desejo que se transforma em um
objetivo de vida, mesmo que sem maiores pretensões ou que represente uma
pequena passagem de tempo.
Mesmo
considerando a inserção da mulher no contexto urbano, ainda é notória a
reduzida representação feminina em várias esferas. A fragilidade dos salários,
os indicadores de violência doméstica, a mulher objeto, a compatibilização da
cultura machista com as leis, entre tantas outras evidências disso.
Neste
período em que encontramos inúmeras possibilidades que podem nos transformar de
Borralheiras a Cinderelas num escorregar de mouse, o gênero e a beleza ainda são
igualmente utilizados para designar as relações sociais entre os sexos. Essa
discussão revela que o estudo do gênero sempre serviu para desmitificar ideias
construídas sobre os papéis adequados aos homens e às mulheres. E assim, lembrando a frase de Simone de
Beauvoir: “não se nasce mulher, torna-se mulher”.
À
mulher é exigido o equilíbrio de relacionamentos que já estão esfacelados, onde
houve mudanças e que talvez não devam ser mesmo eternos, isso mesclando à
complexidade feminina que incorpora todo o cardápio de princesas: Bella,
Cinderela, Branca de Neve, a Fiona, mas também a madrasta má, suas filhas, até
o espelho mágico e o tapete do Aladim.
Confinadas
e multifacetadas, mais exigidas e fortes emocionalmente que os homens, talvez
por isso, permitindo-se ser a madrasta má de vez em quando. Versáteis, pois cabem
vários papéis ao longo da vida, até para quem não é mãe, mas é tia; para quem
está desempregada, mas é do lar.
Pensar
em vanguarda é entender a ditadura do ‘sejam melhores em tudo’: tão
interessante como a princesa, mas forte como a madrasta. Mas que deseja um
Tiago Lacerda, embora pareça só existir os Shereks. Nesse contexto, ainda se
faz presente a figura do Mr. Magoo (personagem-detetive, com grave deficiência
visual) procurando a Mulher Maravilha, ou seja, exigindo uma super-heroína, embora
não 'veja' a ponto de reconhecer ou valorizar uma. A verdade é que sapato de
cristal quebra e não é confortável.
Por
um lado, sair da vanguarda nas relações amorosas pode significar passar a vida
inteira substituindo o protagonista da estória, se repetindo na sessão da tarde
por vontade ou falta de opção. Acreditando naqueles que pareçam confiáveis,
repetindo o refrão de que ‘é preciso confiar’, mesmo quando o cara pede um
tempo. Não percebe o amor à
contra-gotas, granel ou em doses homeopáticas.
Por
outro, existe a vanguardista que não se conforma com ‘tanto faz’, nunca reclama
se não há luz no inferno ou acredita no céu enfeitado, apenas entende o estado
das reticências, do ponto final e dos complementos. Não lamenta a solidão em
seus escritos, nem agoniza suspiros sobre o fim: jamais prevê a
catástrofe. Tem conduta simples, rápida,
pronta, entende o fim, e parece disposta a se libertar. Agir dessa forma, pode
ser a crença no amor, sem ter certeza da alma gêmea como eterna ou única
possibilidade: um tanto da nossa vida é reciclada, algumas coisas tiradas e
outras vêm em acréscimo, inclusive nos sentimentos, e isso não altera a força
par, mas pode alterar a dança dos casais.
Dê um
passo à frente quem for mulher. Dê um passo à frente quem busca a dignidade que
a realização traz. A realização de ser independente na escolha, mesmo que com
erros e incertezas, tristezas ou felicidades, mas com rumo certo: apenas, um
passo à frente.