melodias por mar, terra
e ar
Há um
pedaço de solidão em cada música,
e uma
nota de sol-lidão nos descompassos.
(Ana Cecília Romeu)
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Fotografia de Pedro Costa - em Zambujeira do Mar |
Ao pensar
sobre o que motiva os compositores, poetas da música, a traçarem mensagens em
forma de melodia me questionei sobre o que é o “fogo que arde sem se ver”,
segundo Camões, tão imenso que deva ser revelado.
Conhecer o fado de Portugal, é mais que conhecer uma música é traduzir Portugal. Quando
por lá estive, me foi provado o que já diziam na máxima: “saudades é uma
palavra que só existe no idioma português”. E assim fez-se a doce melancolia em
forma de música, avisando a “bailarmos longe do mar”, e parece ele ser o grande
responsável por todas presenças e ausências, da deriva e da navegação, por
perder-se, encontrar-se e não encontrar, por desejarmos ser um anônimo errante,
um pirata sem bandeira.
No Uruguai, os
Pampas, tipo de relevo com pouquíssimas depressões em campos extensos, onde se visualiza
o sol cair na linha do horizonte, é o cenário da milonga. Parece que ninguém
sabe cantar tão bem a solidão como os uruguaios. “Tenho uma solidão tamanha que
posso organizá-la como uma procissão”, um dia disse Mário Benedetti. Assistir
ao pôr-do-sol nesse país é uma experiência única de solidão compartilhada,
aquela em que fizemos na presença da natureza, do cheiro da terra úmida, uma
terra que causa bradicardia ao ouvirmos Ana Prada: “gota a gota passam os
minutos caindo, o tempo corre até o mar, e eu vou terra adentro”.
O tango, ritmo
popularizado na Argentina, parece viver dos compassos e descompassos, do ar e
da asfixia, nos bons ares de Buenos Aires, essa capital apaixonada que poderia
estar em qualquer parte do planeta, mas está nesse país das “ganas”, dos
desejos, que não só tem um grande jogador de futebol, Messi; um grande ator,
Darín, (outras formas de se escrever poesia), mas também onde surgiu “El dia
que me quieras”, é certo, pelas mãos de um uruguaio, Gardel, e de um
brasileiro, Le Pera; não pela “mano de Diós” de Maradona. Essa dupla fez um gol
de placa ao imortalizar a melodia e os versos: “Acaricia meu sono, o
suave murmúrio do teu suspirar. Como ri a vida se os teus olhos negros me
querem olhar.”
E o Brasil,
“gigante pela própria natureza”, parece misturar tudo, mar, terra e ar: a
solidão dos Pampas gaúchos e também de todos os planaltos; o mar de um litoral
a perder de vista e que dá saudades; e o ar e a falta dele numa Amazonas impar.
E aqui nasceu o samba genuíno de quem ama muito, mas por vezes é benevolente em
excesso ao aceitar os “Renans” e os “Calheiros”, mas que não perde a esperança
quase nunca, como cantava Cartola: “bate outra vez com esperanças o meu coração pois já vai terminando o verão, enfim.”
Saudades,
solidão, desejos, esperança: sentimentos universais por mar, terra e ar. Nossa
vida é toda mais bela quando ouvimos a música da alma, desses escritores da
melodia e das letras que fazem do seu concerto sem holofotes, o de quem ouve. Como
cantava Cazuza “faz parte do meu show”, esse show que quando sobe aos palcos
passa a ser propriedade afetiva de todos nós.
Pelas mãos dos
poetas-gente dos fados, milongas, tangos, sambas, da terra, do além-mar e do
além-fronteiras, conjugamos a paixão como sentados à mesa de um bar na nossa
esquina, conversa aqui e ali em ‘acordes’ primeiros. Dormir, para quê?
Dedico aos compositores de música-alma,
em especial a Agenor de Miranda Araújo Neto, o Cazuza.
(Rio
de Janeiro – 1958/1990)
Faz parte do meu show
Composição:
Cazuza e Renato Ladeira
Te pego na escola e encho a tua bola com todo o meu amor
Te levo pra festa e testo o teu sexo com ar de professor
Faço promessas malucas tão curtas quanto um sonho bomTe levo pra festa e testo o teu sexo com ar de professor
Se eu te escondo a verdade, baby, é pra te proteger da solidão
Faz parte do meu show
Faz parte do meu show, meu amor
Confundo as tuas coxas com as de outras moças
Te mostro toda a dor
Te faço um filho
Te dou outra vida pra te mostrar quem sou
Vago na lua deserta das pedras do Arpoador
Digo 'alô' ao inimigo
Encontro um abrigo no peito do meu traidor
Faz parte do meu show
Faz parte do meu show, meu amor
Invento desculpas, provoco uma briga, digo que não estou
Vivo num 'clip' sem nexo
Um pierrot retrocesso
meio bossa nova e 'rock'n roll'
Faz parte do meu show
Faz parte do meu show, meu amor
Meu amor, meu amor, meu amor..