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Foto-divulgação NCST/RS - Pedro Costa |
Quem disse alguma vez:
até aqui o homem,
até aqui não?
Somente a esperança tem joelhos nítidos.
Sangram.
(Juan Gelman in Limites)
até aqui o homem,
até aqui não?
Somente a esperança tem joelhos nítidos.
Sangram.
(Juan Gelman in Limites)
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A tragédia da boate Kiss - em Santa Maria, Rio Grande do Sul - vitimou fatalmente 242 pessoas e feriu mais 116 na madrugada de 27 de janeiro de 2013, em incêndio causado pelo acendimento de um sinalizador para efeito pirotécnico por parte de um integrante da banda que se apresentava. O que iniciou pela imprudência, tomou proporções trágicas por falhas gravíssimas da segurança no local, gerando esta que é considerada a terceira maior tragédia em casas noturnas no mundo. (Fonte: portal G1. Globo)
Um ano da tragédia da Boate Kiss.
Impossível não relembrar do fato.
Quando eu era adolescente, também esperava a
semana inteira para que chegasse a balada do sábado. Ensaiava passos novos. Antes
de sair, ouvia a listinha: “Não se esquece do casaco” - é a única coisa de que
me lembro, porque era a primeira, mas pelo tempo que minha mãe falava acho que tinha mais umas dez ou onze. Nem sempre ficava feliz, esperar pela
música mais lenta e nada acontecer era muito chato, mas quando chegava a casa,
dormia e esquecia.
A turma de amigos era sempre a mesma, formávamos uma espécie
de “tribo da felicidade”, um happy-face compartilhado, se nem tudo estivesse
bom, ainda assim era divertido. Nunca pensávamos que poderia acontecer algo
fatal, não planejávamos o fim apenas os começos, queríamos vida e viver e era
isso a sua maneira que acontecia, às vezes menos, em outras mais, mas
voltávamos para casa para lembrar os fatos que julgávamos importantes e
censurar parte deles aos pais, “editar a matéria” de um jeito mais inocente, o
que sempre funcionava.
Foi assim que descobri que o bicho-papão da infância fora
promovido na adolescência para “estranho”: - “Não conversa com estranho”, “Não
beija um estranho”. E assim, todos meus namorados e amigos um dia, pelo menos
por algumas horas, me foram estranhos. Mais tarde aprendi que os únicos
estranhos perigosos eram os “culpados” e, desde então, passei a temer os
culpados. Os culpados que têm responsabilidade, mas se escondem na nomenclatura
“fatalidade”, como se as tragédias, aquelas que podem ser evitadas, ainda assim
fossem obra divina.
Não conheci nenhuma das vítimas da tragédia de Santa Maria,
mas é impossível não haver empatia, já fui adolescente, hoje sou mãe de alguém
que um dia será adolescente e quando se perde um filho, não se perde somente o
que se tem, se perde o que se é.
Nunca senti a fumaça negra, por isso hoje escrevo estas
quaisquer linhas, mas minhas asas estão encolhidas e meu voo se faz palavra
pequena, mesmo que somada a outras de tantas milhares de pessoas, porque
estamos num mundo onde da tragédia se faz grande audiência, até a próxima
notícia. Onde se trocam as palavras vida e futuro, por injustiça e fim.
Crônica publicada também nos jornais:
O DIA - Rio de Janeiro
Correio do Povo - Porto Alegre
A Razão - Santa Maria
NH - Novo Hamburgo
NH - Novo Hamburgo
Diário Popular - Pelotas
E site do Correio Rural