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El Ateneo Grand Splendid - não encontrada referência autoral da imagem |
Sempre foste meu espelho,
quero dizer que para me ver, tinha que olhar-te.
quero dizer que para me ver, tinha que olhar-te.
(Julio Cortázar in
Bolero - tradução livre)
Buenos Aires, janeiro
de um ano qualquer.
A mulher
estava no café da livraria, alojado no palco do que antes fora o teatro
homônimo, atestando se aquela de fato era a segunda mais bela loja de livros de
todo o mundo. Há o aspecto subjetivo, pensou. Sentou-se à mesa no canto
segurando uma antologia de Cortázar, edição de luxo, capa dura em dedos macios.
Sorvia o
café meio-forte, folheando-a aleatoriamente ao deixar que o destino e seus
sortilégios elegessem um futuro mais claro, como quem se esquece da bola de
cristal, mas ainda crê nos reflexos das bolhas de sabão. Com os aromas do
café, de seu perfume preferido e da tinta fresca na parede lateral, abriu à
página 44:
“Fui uma letra de tango
para tua indiferente melodia.” *
Depois de
ler, a mulher apertou com o indicador direito as duas gotas de café que,
indisciplinadas, caíram para fora da xícara. Entre suas digitais, sonhos
furtivos, impossibilidades e toda a eternidade, disse-lhe o poeta o que não
ousou contestar. Estava ali, na El Ateneo
Grand Splendid, onde na plateia há livros sentados e amor na próxima
página, na de número quarenta e cinco.
*Julio Cortázar in Siempre empezó a llover
Fito Paéz - Un vestido y un amor