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terça-feira, 20 de setembro de 2011

Vida breve

Óleo sobre tela, sem título, pintada por meu pai em 1972.


   Uma homenagem ao meu pai, 
Oscar da Silva Rodrigues, 
no dia em que ele estaria de aniversário.

   Mesmo que alguém consiga a façanha de viver uns cem anos, isso ainda parece pouco. O ser humano deseja tanto e, como diz o clichê “o tempo voa”, o que é mesmo uma verdade, e nossa vida é breve.
   Há pouco eu estava brincando de amarelinha no pátio de casa, e agora minha filha faz o mesmo, em quatro anos de vida que passaram como se fossem quatro dias. E o tempo vai completando seus ciclos e trazendo consigo uma questão: como desejamos ser lembrados quando não estivermos mais aqui?
   Ser lembrado como o mau-humorado ou o sorridente? O poeta ou o fingidor?  Quem dizia ou se calava?  Quem lutava ou nem tentou? Quem se preocupava com os outros, ou alguém que vivia sob a proteção de si mesmo?
   Meu pai, entre outras lições que me recordo, era o tipo de pessoa que não fazia problema com as coisas, como é uma tendência muito comum, a de aumentarmos os desafios, fazendo com que um pequeno obstáculo pareça um muro de dois metros. Ele ensinou-me, sem dizer uma palavra a respeito, que temos que buscar as soluções para os problemas, o que não significa que sempre as encontraremos. Nunca o vi frustrado por conta disso. No lugar da derrota, aparecia um sorriso largo e mais projetos. 
  

Retrato de uma cena rural do Uruguai. Óleo sobre tela, de 1974.


Oléo sobre tela. Retrato de uma igreja na campanha do Uruguai, de 1974.
   
   As obras, o trabalho, nossos sonhos planejados, é o que nos movimenta, o que pode nos dar sentido. A projeção do que queremos e como poderemos contribuir um pouquinho para esse mundo, oferecendo o que sabemos, fruto de nossa vocação e de nossas aptidões, acabará por interagir com a vida de outras pessoas. Um pouco de nossa existência fora dela.  
   Quando temos um sonho ele deverá ter serventia a alguém além de nós mesmos.
   O ser humano projeta muitas coisas, tem expectativas mirabolantes e às vezes não dá valor ao que lhes parece tão pequeno. O sentido da existência poderá estar escondido na palavra colocada na hora certa, no respeito à natureza, aos animais, nas novas amizades e nas antigas, ao fazer a pergunta: “como estás?”.
   O simples ato de deixar alguém feliz ao mostrar que também estava e que perseguia essa felicidade, poderá valer uma vida toda. Assim, meu pai me ensinou: quantas eternidades se escondem numa única existência.




Para meu pai:
Oscar da Silva Rodrigues, 
nascido em Dom Pedrito, Rio Grande do Sul - Brasil, 
em 20 de setembro de 1930.
Está lá na festa do Céu, desde 21 de maio de 1994.

   A data de 20 de setembro, por coincidência, é feriado no estado do Rio Grande do Sul, comemoramos o dia do gaúcho. Meu pai era deste estado, mas toda sua família, das campanhas do Uruguai. Ele amava todos esses campos, os pampas do sul, por isso, encerro com um poema gauchesco.

Aldeia
(por Marcelo D’Ávila)*

Um velho estancieiro disse um dia:
"Pinta tua aldeia e pintarás o mundo" - **
E deste ensinamento tão fecundo
Fiz os esteios da minha poesia.

Meu verso é como faca ou punhal,
Sem cabo, só lâmina em essência:
Universal,  nascido na querência,
Campeiro, tendo o mundo por quintal.

Meu verso é um rio que corre em minhas veias
Menor e menos belo do que o Tejo -
Mas é meu verso - e assim é que o desejo
Porque é o rio que corre minha aldeia.

Canto minha aldeia e nela me desmancho
Porque é meu pago, é porto, fortaleza,
E trago no meu verso esta certeza
Que o mundo inteiro cabe no meu rancho.


   * Marcelo D’Ávila foi meu colega em Sant’Ana do Livramento, fronteira com o Uruguai, na época em que morei lá, dos meus 7 aos 12 anos. Hoje, é médico, poeta e contista. Neste poema gauchesco, utiliza uma citação de Tolstoi **, além de referências a Fernando Pessoa, João Cabral de Melo Netto e Pablo Neruda.
Tenho orgulho de todos gaúchos que amam os ventos do Sul 
e traduzem isso em arte para o mundo e com o mundo.

A alma dos pampas que me fez de morada: 
o velho casarão doce e amargo dos ventos do sul.

domingo, 14 de agosto de 2011

A maior casa do mundo


Rascunho (raf), de uma casa, feito nos anos 70,
por meu pai.


Esta crônica* é uma homenagem a todos os pais no seu dia.

   Em um canteiro de obras numa cidade litorânea do Rio Grande do Sul, o arquiteto entrega para duas crianças um balde com argamassa, a colher de pedreiro, e coloca perto uma pequena pilha de tijolos. Olhando para as meninas, diz:
   - Construam a maior casa do mundo!
   O arquiteto era meu pai. As crianças, eu e minha irmã.
   Doces lembranças de um pai pronto a acompanhar as filhas e incentivar. Por diversas vezes, nos levava ao seu trabalho no escritório e em visitas às obras, assim, aprendemos a valorizar a utilidade de um ofício e também nos sentíamos prestigiadas.
   Um pai que nunca reclamava do serviço, concluía, muitas vezes à noite na sala de jantar, suas plantas de arquitetura diante de nossos olhos curiosos, para poder ficar junto à família. Já vi muita casa aparecer e crescer em traços precisos da caneta de nanquim.
   A paternidade é algo muito especial mesmo, a tarefa difícil de fornecer o material aos filhos, as ferramentas, proporcionar os meios e deixá-los orientados para fazerem por si mesmos.
   É impor limites sabendo, mesmo assim, que é fundamental rir e brincar.
   É doação. Trocar o programa preferido da TV pelo desenho animado do ursinho, o cowboy espacial, a princesa de cabelos longos e, mesmo cansado, ainda segurar o filho antes que ele caia do escorregador.
   O pai é capaz de verdadeiras mágicas. Quando coloca o filho nos ombros, a criança ganha altura, tamanho, poder e sente-se, também ela, uma heroína do faz-de-conta, como a das historinhas que ouve ou lê. Assim, o genitor resolve em segundos o que a mãe poderia demorar bons minutos.
   A paternidade é, principalmente, o preocupar-se em silêncio, o vigiar sem ser percebido, o alimentar o futuro de seus descendentes, como quem lê aquele bom livro ou assiste ao filme inesquecível, como se fosse um sonho em constante renovação a cada linha, em cada troca de cena. Pois, o pai sempre se realizará com as realizações de seus filhos: a sequência de seus próprios desejos, a herança em olhos atentos e felizes.
   No decorrer de nossa vida poderemos não ter construído a “maior casa do mundo”, mas com certeza ela terá chão firme, paredes erguidas, um telhado para nos proteger e a quem a habitará depois, se contarmos com a presença de um pai que nos dê segurança, incentivo, boas lembranças, demonstrações de afeto e o mais franco sorriso. E ainda por cima, quando ao fim de nosso trabalho, mostrando a pilha torta de tijolos, ele disser:
   - Perfeita! Esta é a maior casa do mundo!


Eu (bebê menor), com minha irmã Bel e o pai Oscar.

Dedico ao meu pai, Oscar da Silva Rodrigues, que desde 1994 está aproveitando a festa lá no Céu, ao som do maravilhoso Gardel.


* Publicada nos jornais:
NH (Novo Hamburgo), Correio Rural (Viamão),
Correio de Gravataí (Gravataí), Diário de Cachoeirinha (Cachoeirinha), 
VS (São Leopoldo) e Diário de Viamão (Viamão).