terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Série "O" - Conto 3: O Sovina


   Se Gastão imaginasse que seus últimos dias seriam envoltos em contas e mais contas, trataria de buscar a eternidade. Disseram-lhe que havia pajé-celebridade na tribo dos Beiçudos, possuía elixir milagroso. Mas dispensou a dica, quando descobriu que o preço das passagens áereas para o Amazonas, mesmo na promoção da madrugada, e o tal elixir, que não era bônus nem nada, estavam um tanto quanto onerosos para seu paladar.
  De pequeno, ganhava livros com ilustrações para colorir do seu pai, cidadão modelo de Tupandinha, interior de Rondovaí. Deixava assim como chegavam, intocáveis, tudo preto e branco, só no contorno. Para que gastar a tinta das canetinhas? Para que colorir um desenho se vou ficar com menos desenhos para colorir? Foram suas primeiras indagações existenciais. Isso, aos quatro anos de idade. Ainda hoje, Gastão tem os dezoito livros que papai lhe deu. Tudo no contorno. Estante de plástico. Não enferruja, sem cupins e custou uma bagatela.
   Aos vinte anos, primeira namorada séria. A moça também era muito séria, e tudo na convenção. O homem tinha que pagar tudo. Não iria sair com um incapaz. O príncipe tinha que mostrar o castelo de cinquenta cômodos, cavalo branco puro sangue e roupas de veludo e rendas. Dois meses e acabaram as explicações de Gastão à bela moça: esqueceu carteira, de validar o cartão, da identidade, do outro cartão e da senha do cartão. A namorada se deu conta, foi procurar príncipe baixinho, moreninho, feinho, riquinho e gastador; pois Gastão: loiro e alto, bom de corpo, olhos azuis, brilho nos cabelos, riquinho e só.
  Assim, nosso príncipe se declarou um feminista. Direitos iguais! Não se casou, poucas namoradas e ainda foi visto na caminhada pelo direito dos homens celibatários, ou coisa que o valha. Era perto de sua casa, com o pessoal da Igreja, sem gastos e padre prometera lanche para os rapazes na hora do descanso.
  Mas um mal do coração lhe acometeu aos trinta e cinco anos. Foi extinguindo Gastão bem aos poucos, que nem aquelas palestras demoradas que a gente pega no sono esperando a hora do coffe break chegar. E isso lhe custou muito caro. Vendeu apartamento em que morava, o do inquilino Pedro, que pagava em dia, e o do Paulo, que nunca acertava com o condomínio. E Gastão ainda se desfez do carro. Não, espera aí! Corrigindo..., Gastão não tinha carro, gasolina cara e o tal de álcool era propaganda de político, segundo ele.
Meses e meses. Hospital oneroso na cidade grande. Comida ruim, cama de faquir, controle remoto com pilhas fracas e enfermeiras com péssimo serviço: sem sorriso, nada de favores e indelicadas. Pagava muito. Produto defeituoso. Venderam-lhe a idéia de casa de repouso. "O senhor vai se sentir num hotel", lhe havia dito o diretor. Depois de um mês, se lembrou da promoção das facas Ganço, que nem cortavam, nem dava para afiar, e ainda se partiam do nada na tentativa de picar as cenouras tenras da mercearia do Antonio, o único que ainda aceitava no caderninho. Pelo menos as facas foram quase de graça.
  No quarto do hospital, a mãe de Gastão, compadecida com o jovem tão amarelinho e triste, disse:
  — Viste? O menino tem coração ruim.
  — Com certeza — disse o médico
  Antes de ficar mais amarelo, Gastão ainda reparou que a mãe estava com sapato de couro de salto alto. Ainda pensou que sapatilhas seriam os calçados mais adequados. Combinavam com tudo, até com aquela calça jeans dez anos de closet; não causavam problemas na coluna, sem gastos com clínica ortopédica; sintéticas, mais em conta, e ainda passava por moderninho, tipo ecologista. "Pelo fim da matança indiscriminada das vaquinhas". Carne cara, couro caro, deixem elas pastando.

8 comentários:

  1. Oi Aninha! Muito bom este mini conto! Por hora não vou ter tempo de ler os outros, mas fiquei beem curiosa, é isso aí, a gente tem que se expressar, eu infelizmente estou muito sem tempo para escrever minhas loucuras, mas quem sabe uma hora eu recomeço com mais gás! Parabéns! A propósito, como tu faz para saber quantas pessoas já passaram pelo teu blog?

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  2. E quem achava pão-duro só o Tio Patinhas, errou o pulo. heheh Muito bom

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  3. olá cissa, o seu blog é mto bom, mas n conseguimos localizar com qual conta vc está seguindo o nosso blog (vc informou que estava) para que possamos retribuir e tão pouco o contador de seguidores subiu

    estamos aguardando

    abç

    http://mikaelmoraes.blogspot.com

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  4. Oi, Obrigada pela visita e teu espaço é ótimo!
    Parabéns!
    Abraços e tenha uma ótima sexta!

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  5. Obrigado por seguir o meu blog.Já estou te seguindo.Depois eu vou passar com mais tempo para ler ...

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  6. Olá Cissa,
    Muito obrigado por passar lá no meu blog e não poderia ser diferente, estou retribuindo.
    Seu blog é muito interessante também e estou seguindo. Vou passar sempre por aqui.
    Sucesso pra você
    Ótima sexta-feira

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  7. Oi Cissa

    Obrigada por visitar e seguir meu blog. Gostei muito desse conto, principalmente do nome sugestivo do pão-duro.

    Bom restinho de semana
    E até a próxima!

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